sexta-feira, 6 de maio de 2011

....proporcionalidade violada na lei de Tóxicos....

Vedar redutor do tráfico ao reincidente fere princípio da proporcionalidade




Assim, apenas a circunstância de ser o réu reincidente seria obstáculo à aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, §4º. A falta de aplicação desta causa de diminuição, todavia, como se demonstrará, atinge o princípio da proporcionalidade, e, in casu, projeta inconstitucionalidade.

Quanto a incorporação do princípio da proporcionalidade no direito brasileiro, preleciona Paulo Bonavides: “No Brasil, a proporcionalidade pode não existir enquanto norma geral de direito escrito, mas existe como norma esparsa no texto constitucional. A noção mesmo se infere de outros princípios que lhe são afins, entre os quais se avulta, em primeiro lugar, o princípio da igualdade, sobretudo em se atentando para a passagem da igualdade-identidade à igualdade-proporcionalidade, tão característica da derradeira fase do Estado de direito (...) O princípio da proporcionalidade é, por conseguinte, direito positivo em nosso ordenamento constitucional (Curso de Direito Constitucional – Ed. Malheiros, p. 395/6).

A proporcionalidade estaria, incluída, portanto, na vedação de excessos, ínsita ao art. 37 da Constituição Federal e flui do espírito que anima em toda a sua extensão e profundidade o §2º, do art. 5º, o qual abrange a parte não-escrita ou não expressa dos direitos e garantias da Constituição. Conclui, assim, Bonavides: admitir a interpretação de que o legislador pode a seu livre alvedrio legislar sem limites, seria por abaixo todo o edifício jurídico e ignorar, por inteiro, a eficácia e a majestade dos princípios constitucionais. A Constituição estaria despedaçada pelo arbítrio do legislador (op. cit., p. 396).

Acrescenta Alberto Silva Franco, quanto à aplicabilidade do princípio da proporcionalidade no âmbito penal:

“Num modelo de Estado (Social) e Democrático de Direito, sustentado por um princípio antropocêntrico, não teria sentido, nem cabimento, a cominação ou aplicação de pena flagrantemente desproporcionada à gravidade do fato. Pena desse teor representa ofensa à condição humana, atingindo-a de modo contundente, na sua dignidade de pessoa. O princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena). Toda vez que, nessa relação, houver um desequilíbrio acentuado, estabelece-se em consequência, uma inaceitável desproporção” (Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, Ed. RT, 6ª ed., p. 39).

No caso em questão, a proporcionalidade está vulnerada.

Senão, vejamos.

A lei, ao fixar como pena mínima para o delito cinco anos de reclusão, prevendo, ainda, causa de diminuição de 1/6 a 2/3 para primários, acabou por valorizar, em demasia, o critério da reincidência. Desde, portanto, que presentes os outros requisitos para a aplicação da causa de diminuição (ou seja, não havendo elementos probatórios de que o réu se dedique ao crime, praticando-o com contumácia, e sem provas de que integre organização criminosa), como é o caso dos autos, é de se considerar que o peso atribuído à reincidência é superdimensionado em relação ao apenamento do agente primário, ofendendo, assim, o princípio da proporcionalidade, implícito no ordenamento constitucional do Estado Democrático de Direito, que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF).

A aplicação de pena ao réu primário, presentes os demais requisitos legais, ensejaria redução no patamar de 2/3, implicando sanção de 1 ano e 8 meses de reclusão. Ao réu reincidente, o mesmo fato representaria, pela não aplicação da causa de diminuição, pena de 5 anos. O peso da reincidência é claramente desproporcional, pois o valor do fato praticado é de aproximadamente 1/3 da pena, sendo dois terços dela aplicada em função da reincidência (ou seja, por fato anterior).

Esta desproporção é inconstitucional, ainda, porque aprecia para a dosagem da pena valor maior aos fatos pretéritos do que à própria acusação em questão. Aceitar-se como válida a ampliação ao infinito do peso da reincidência, estaríamos admitindo a aplicação do direito penal do autor e não do fato –punição fundada preponderamente em quem o agente é (em face de seus antecedentes) e não em razão do que o agente faz.

Conforme Muñoz Conde, “A distinção entre Direito Penal do ato e Direito Penal do autor não é só uma questão sistemática, mas, também, e fundamentalmente, política e ideológica. Só o Direito Penal baseado no ato cometido pode ser controlado e limitado democraticamente (...) o Direito Penal do autor não permite limitar o poder punitivo do Estado e favorece sua concepção totalitária” (Teoria Geral do Delito – SAFe, p. 09/10).

O direito penal do autor não se coaduna com o Estado Democrático de Direito e por isso suas expressões devem ser descartadas, inclusive pelo juiz.

No mesmo sentido: “O direito penal de autor não encontra guarida em nenhum sistema penal fincado no Estado de Direito, comprometido, que é, com a dignidade da pessoa humana e com a garantia de seus direitos fundamentais, e, sobretudo, em nosso ordenamento, onde a presunção vigente é, ao reverso do que se propugna com a referência a tal condenação, a de inocência.” (Min. Cezar Peluso em Voto Vista no RHC 81.057-8-SP).

Tenho que tal dimensão de acréscimo da pena (a que corresponde à negativa de aplicação da causa de diminuição) ofende a proporcionalidade, na medida em que possibilita aplicação de pena a maior pelos fatos pretéritos do que por aquele a que está sendo imputado ao agente.

Nem se diga da impropriedade de afastar-se regra legal (proibição da redução ao reincidente) em face de um princípio não explícito.

Como afirma Fábio Konder Comparato, apesar de seu alto grau de abstração, os princípios são normas jurídicas e não simples recomendações programáticas, ou exortações políticas. Mais ainda: trata-se de normas jurídicas de eficácia plena e imediata, a dispensar a intermediação de regras concretizadoras. Provocado ou não pelas partes, o juiz está sempre autorizado a aplicar diretamente um princípio ao caso trazido ao eu julgamento, por força do disposto no §1º do art. 5º, da Constituição (“O papel do juiz na efetivação dos direitos humanos”, in Direitos Humanos – Visões Contemporâneas, edição de Associação Juízes para a Democracia, 2001).

No mesmo sentido, o ensinamento de Paulo Bonavides:

“A lesão ao princípio é indubitavelmente a mais grave das inconstitucionalidades porque sem princípio não há ordem constitucional e sem ordem constitucional não há garantia para as liberdades cujo exercício somente se faz possível fora do reino do arbítrio e dos poderes absolutos.” (Op. cit., p. 396).

Por este motivo, e para possibilitar uma interpretação do dispositivo penal conforme as regras constitucionais, aplico, ainda que caracterizada a reincidência, a causa de diminuição do art. 33, §4º, da nova Lei de Tóxicos, no patamar de .... (menor do que a redução máxima de 2/3, justamente em face da reincidência) à pena originalmente fixada de 5 anos.

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